O
Grêmio Recreativo Cultural e Carnavalesco DEIXA FALAR escolheu como
enredo para o Carnaval 2009 a grande riqueza da floresta amazônica: o
poder, a sabedoria, o mistério e a magia de suas folhas, ervas,
sementes, raízes, flores e frutos. As espécies nativas ou as que
elegeram a Amazônia como morada, mostrando seus usos em remédios,
comidas, banhos, perfumes, cultos sagrados, mandingas, encantamentos e
homenagens, passando pela indústria de cosméticos, reconhecida em todo o
Brasil e no exterior, e chegando ao alerta para a necessidade de
preservação desse grandioso ecossistema diante de constantes ameaças
causadas pela ambição do homem. Ervas da floresta, cheiros do Pará são magia na Deixa Falar fala por si neste enredo.
“Eu
vim na força dos ventos de Iansã, a mando de Xangô. Sou o grande
segredo dado por Olodumaré a Ossain, filho de Iemanjá e Oxalá. Minha
essência é soberana e tenho tantos poderes que alguns ainda nem mesmo
revelei. Posso perfumar, remoçar, alimentar e curar, mas posso também
ferir a quem em mim tocar com ambição. Sou força inigualável em minha
frágil aparência, sou micro partes de um gigantesco e abençoado todo.
Viajo
para Belém do Pará, minha capital, em fardos, sementes, vasos, paneiros
e vidros coloridos. No mercado de ferro do Ver-o-Peso sou vasta, farta e
acessível a todos. Saio das mãos das cheirosas para aqueles que desejam
seduzir paladares, realizar namoros, abrir caminhos atravancados,
perfumar armários, defumar casas e searas. Vou aos cultos em forma de
amacis e ariachés, Nas mãos de pajés, filhos de santos e benzedeiras
emissárias de boas vibrações protejo e afasto mau-olhado, quebranto e
malinezas. Em junho, sou homenagem a São João levada pelos vendeiros de
porta em porta desde bem cedo gritam: olha o cheiro cheiroso pra tirar o catingoso! Em
dezembro sou oferenda a Iemanjá, pra começar o ano novo com o pé
direito. Na Mina são os tambores que me anunciam, nas hábeis mãos dos
abatazeiros. Nas casas sou banho-de-cuia, gostoso de tomar no quintal,
pra dar um volta de tardinha.
Saio
da Amazônia pra conquistar o resto do Brasil e o mundo através da magia
da química, que me transforma em incensos, infusões, loções,
cosméticos, cremes de beleza e fórmulas de rejuvenescimento, carregadas
de teor ecológico, através da indústria da beleza. Indústria que, pela
sensibilidade e visão de Coco Channel e do perfumista Ernest Beaux, nos
anos 20, com o óleo do pau rosa, madeira retirada do coração da
Amazônia, perfumou rainhas como a da Inglaterra e a do cinema, Marilyn
Monroe, me fazendo francesa para o mundo, elegante presença na moda,
sedução em cada gota de Channel n° 5.
Sou
alvo de piratas, ladrões e ambiciosos que vêem em mim a oportunidade de
enriquecer. Forasteiros que se apossam de minha sabedoria e de meus
segredos e, em sua busca feroz, me queimam, me arrancam, me cortam, e
tentam me destruir, mas, mal sabem eles que também sou fera e que muitos
me defendem. Que bate forte em mim um coração sobrevivente, formado
pela esperança, pela determinação e pelo empenho de antigos espíritos
guerreiros que iluminam cunhãs e curumins que me refazem em mudas nas
quais refloresço sob a invocação de meu Rei Ossain “Ewê assá”.
Eu
sou folha, sou flor, sou fruto, sou erva, sou raiz. Sou o menor e o
maior de todos os seres, sou a floresta fundamental, essencial, sou a
vida. AXÉ!”
Cláudia Palheta
Originalmente publicado aqui
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